Notícias
Entrevista JC: Zona livre sem vacinação impõe desafios aos produtores
01/10/24
Rogério Kerber, presidente do Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa), fala sobre os desafios e obstáculos até chegar ao status de zona livre sem vacinação e dos benefícios que o reconhecimento desse novo momento da pecuária no Estado trouxe, especialmente para a suinocultura gaúcha.
Empresas & Negócios - Qual foi o caminho trilhado até chegarmos ao status de zona livre sem vacinação?
Rogério Kerber - Foi uma longa caminhada antes de suspender a vacinação e, depois da suspensão e do reconhecimento internacional, iniciou-se outra, que é a visita de países compradores de proteína, dentre as quais a carne suína. Tivemos alguma dificuldade, porque coincidentemente ocorreu na época da pandemia de Covid-19 e dificultou a vinda das missões. Felizmente, no final de 2022, em 2023 e, agora, no primeiro semestre de 2024, ocorreram várias missões,
entre elas a República Dominicana e o Chile. Um grande mercado que se abriu foi o das Filipinas e já aumentaram os embarques: no mês de julho foram 30 mil toneladas de carne suína do Estado, em agosto foi 26 mil.
E&N - Existe a expectativa de incrementar as exportações para a China. Como deve funcionar e em que pé estão as tratativas?
Kerber - Agora, em novembro, ocorrerá a visita do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil e a nossa expectativa é de que ocorra o anúncio do reconhecimento do Rio Grande do Sul e do Paraná como áreas livres de febre aftosa sem
vacinação. Esse processo é muito importante, pois, embora o Rio Grande do Sul já embarque carne suína para aquele mercado, terá a oportunidade de exportar miúdos e carne com osso para a China. Estima-se que, com essa medida, o
Estado passe a ter uma receita superior a US$ 100 milhões anuais. O Rio Grande do Sul é o estado que tem o maior número de plantas habilitadas, são oito, para exportar para a China, seguido por Santa Catarina com sete. O Paraná não tem nenhuma planta habilitada.
E&N - E sobre novos mercados conquistados após a mudança de status? Quais já estão efetivamente comprando carne suína gaúcha e quais estão em prospecção?
Kerber - No mês de junho deste ano, ocorreram os primeiros embarques de carne suína para as Filipinas, volumes inclusive acima da China. Trata-se de um mercado crucial, podendo ser o segundo maior comprador em 2024. Em 2023, o
país já havia sido o terceiro maior mercado, com mais de 126 mil toneladas exportadas. O Chile não tinha reconhecido, fez uma missão, estamos habilitados para aquele mercado, assim como Santa Catarina, e já realizaram compras do Estado também. O que se espera é que tenha ainda condições de habilitar o México, Canadá, Coreia do Sul e Japão mercados em potencial. A Coreia do Sul já esteve no Rio Grande do Sul, mas só habilitou para bovinos, pois a carne suína não estava no escopo da missão. Mas estamos trabalhando para que uma missão venha para auditar o sistema de defesa com vistas ao reconhecimento. É importante frisar que, embora o status seja reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), os países fazem missões com vistas a uma habilitação individual.
E&N - O que se percebe é um aumento da demanda externa por carne suína. O Rio Grande do Sul tem escala para atendê-la?
Kerber - Temos condições sim, alto volume de produção.
E&N - E como foi a cronologia dos fatos até chegar ao status de livre sem vacinação?
Kerber - Em 1998, o Rio Grande do Sul teve um momento de reconhecimento como área livre de febre aftosa com vacinação. Em 2000, caminhou junto com Santa Catarina, no sentido de ser reconhecido como área livre sem vacinação, inclusive chegou a suspender a vacinação, mas não foi reconhecido como área livre sem vacinação porque ocorreu o evento de febre aftosa em Joia. Em 2001, tivemos aftosa na fronteira. Aí o Rio Grande do Sul deu um passo atrás, voltou a vacinar. E, desde aquela época, desenvolveu-se um trabalho para que o Estado conseguisse condição sanitária favorável que permitisse aos setores produtivos a tomada de decisão de retirar a vacinação. Foi uma caminhada longa que coincidiu com a instituição do Fundesa, que trabalhou sempre com essa diretriz de ter um sistema de defesa sanitária animal fortalecido, eficiente para permitir a tomada dessa decisão.
E&N - E qual foi o papel do Fundesa nesse cenário de busca pela
retirada da vacinação?
Kerber - Foi no sentido de fortalecer o sistema de defesa sanitária. E, para isso, houve um trabalho muito efetivo que diz respeito ao controle de fronteiras, a estruturação, inclusive se trabalhou no sentido de informatizar todo o sistema
de defesa e está se alcançando. Nós ainda temos algumas questões que não estão informatizadas, mas, até o final de 2025, o sistema de defesa sanitária animal do Rio Grande Sul, literalmente e na sua totalidade, os seus procedimentos serão informatizados em tempo real, via web, e esse foi o grande trabalho. E outra coisa que também, nesse meio tempo, se trabalhou muito fortemente, foi apoiando parcerias com a Secretaria da Agricultura, através de convênios, com a Universidade da Carolina do Norte, com a Universidade de Santa Maria, com a Ufrgs, que propiciaram um avanço no que diz respeito à capacitação, ao treinamento dos técnicos do serviço veterinário oficial e privado, com ferramentas novas, não só da suinocultura, mas todas as atividades de produção de proteína animal.
E&N - Há quem diga que só quem se beneficiou com a retirada da vacina foi a suinocultura e a avicultura, que bovinocultura de corte não teve os benefícios esperados e não só isso, ficou suscetível a um novo episódio como de Joia. Qual sua opinião sobre isso?
Kerber - Nós entendemos um pouquinho diferente. Efetivamente, a suinocultura se beneficiou porque trabalhou para isso. E não só a suinocultura, mas a economia do Rio Grande do Sul se beneficiou com essa condição do Rio Grande do Sul ter um status sanitário diferenciado. Isso é uma referência internacional. O que tem que ser indagado é por que a pecuária de corte não se beneficiou? Está preparada? Está querendo participar do mercado internacional? Pois tem que ter vontade, tem que querer e tem que trabalhar para isso. As missões dos países não vêm aqui por livre e espontânea vontade, são provocados. Tem que se apresentar, se colocar em condições de querer conquistar esse mercado. A pecuária de corte tem um ponto muito importante e pode sim, no futuro próximo, ter benefícios pois a carne é produzida a partir de raças europeias, diferente da carne produzida no Brasil Central, que é de raças zebuínas. Agora, nós temos que ter estabelecimentos abatedores em condições de participar do mercado internacional. Além disso, o nosso balanço de oferta e demanda de carne bovina é negativo. O setor de suínos, sim, buscou, trabalhou, investiu e está trabalhando no sentido de ampliação. E há esses mercados aí constantemente.
E&N - E quais são os reflexos do novo status na indústria e nas granjas que a abastecem?
Kerber - Foram várias iniciativas, desde o uso consciente de antibióticos, que é um dos três pilares do desafio da produção, foco em bem-estar animal, instalações novas. Além disso, tem atenção com relação a material genético, sempre melhorando a qualidade, programas nutricionais diferenciados, essa é uma preocupação constante hoje e nem poderia ser diferente. Essa condição de área livre sem vacinação deu ao setor uma percepção nova sobre o sistema produtivo, a partir da vinda das missões, desse intercâmbio de informações. O mercado internacional tem sido um motivador, um ponto de referência e não se está produzindo qualidade só para o mercado internacional. Todo o setor produtivo se
eleva ao longo do tempo e, evidentemente, o consumidor brasileiro também tem ganhos.
Voltar para notícias